O evangelho de Marcos originalmente terminava em Mc
16,8 com o anúncio do anjo às mulheres, dizendo que Jesus ressuscitara e
precedia os discípulos na Galileia. Provavelmente no segundo século, a
Igreja, já estruturada, julgou inconveniente a falta das narrativas das
aparições do Ressuscitado neste evangelho. Foram, então, acrescentadas
três narrativas de aparições, que são resumos das narrativas de
aparições dos outros evangelhos, particularmente de Lucas e João.
Nesta elaboração tardia, tipicamente institucional, a
fala atribuída a Jesus, após as três aparições, vai no sentido de
afirmar o poder excludente da Igreja, na qual a profissão de fé seguida
do batismo já estava consagrada como caminho único e absoluto da
salvação. Também ficam afirmados poderes excepcionais conferidos ao
crente, como sinais da sua fé, o que contraria a realidade da
simplicidade da fé a ser vivida no dia a dia pelos comuns dos mortais.
Com uma visão amadurecida, compreende-se que não cabe
à missão impor, condenar ou praticar ações espetaculares. A missão é o
testemunho do amor misericordioso, a valorização e o cultivo das
manifestações de vida encontradas nas diversificadas comunidades, vendo
nelas o sinal da presença de Deus entre os povos, sem exclusões.
Os últimos versículos fazem alusão à ascensão aos
céus, conforme narrada por Lucas em seu evangelho e mais desenvolvida
nos Atos dos Apóstolos (primeira leitura), com um sumário de missão. A
exaltação do Ressuscitado retirado da terra e glorificado no céu
(segunda leitura) foi resultado da influência do messianismo
escatológico nas mentes dos discípulos de origem no judaísmo.
Esta visão, que relegou a segundo plano a revelação e
a comunicação de Deus na vida e no testemunho de amor do Jesus
histórico, influenciou durante séculos a teologia, a espiritualidade e a
pastoral da Igreja, remetendo a fé em Jesus a uma recompensa na vida
gloriosa futura e celestial. Hoje, resgatando-se as memórias de Jesus de
Nazaré, na sua humanidade plena, a fé na sua presença, vivo, nas
comunidades nos move ao alegre empenho em construir um mundo novo
solidário e fraterno, em que todos se unam em torno do projeto da vida
plena para todos, sem restrições.
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